Lembro-me também das minhas avós, na verdade minha avó e bisavó, ambas por parte de minha mãe. Quando nasci elas já estavam bem velhinhas, mas convivi bastante com as duas. Tenho lembranças de que eram muito espirituais. Minha avó sofreu muito por negar a sua mediunidade, mas mesmo assim, fazia a parte dela – como ela mesma gostava de dizer – e freqüentou a umbanda até onde sua saúde permitiu.
Eu mesma não tenho uma religião, há alguns anos atrás eu comecei a me interessar e a desenvolver meu lado espiritual e acredito que para isso eu não preciso ter nenhuma religião especifica. Algumas doutrinas me chamam atenção, como a Umbanda, o Budismo, Espiritismo, Kardecismo, Hinduísmo, mas não sigo nenhuma dessas, aliás, sigo sim, no meu cotidiano e do meu jeito, porém, o que mais gosto é de cultuar algumas divindades. Sou apaixonada pelo sincretismo presente no Brasil, e essa fusão de elementos culturais diferentes, ou até antagônicos, em um só elemento, me fascinam!
As figuras femininas como Iemanjá e Iansã na umbanda, Nossa Senhora da Aparecida na Católica, Isis, Bastet e Afrodite deusas egípcias e gregas respectivamente, sempre me encantaram e cada uma por uma razão, e ao mesmo tempo tinha uma curiosidade incrivel para saber quem eram os meus pais na umbanda, mesmo sem nunca ter obtido uma certeza por parte de algum(a) pai ou mãe de santo eu escolhi Ogum para ser meu pai, exatamente por representar o meu santo guerreiro, São Jorge! Quanto a minha mãe, eu nunca escolhi uma, fui órfã nesse sentido até o começo deste ano.
Depois de toda essa introdução, quero contar-lhes como foi que me aproximei dela. Aconteceu dias antes de eu vir morar aqui em Buenos Aires. Era de noite quando tive vontade de tomar um refrigerante e pedi para o Marcus me acompanhar até a padaria mais próxima para comprar. No caminho da padaria, me lembrei do Terreiro de Umbanda da Neuza, velha amiga do meu pai. Na volta da padaria, fui até o terreiro, mas as portas já estavam fechadas. Senti-me frustrada de não ter conseguido chegar em tempo de tomar ao menos um passe, mas não desisti e fui atendida de pronto após ter batido na porta.
- Estou procurando a Neuza, disse para a mulher que me atendeu.
- A Neuza está impossibilitada de te atender agora, seria só com ela? Respondeu-me com gentileza.
- Queria tomar um passe, pode ser?
- Sim, claro! Tire os seus chinelos e entre. Fique á vontade!
- Agradeci.
Envolvi-me com a forte batida dos atabaques e de pé, fronte ao rapaz que me daria o passe, o “Preto Velho” para ser mais exata, fechei os meus olhos e pedi muita sorte para essa nova fase da minha vida e muita proteção aos meus queridos que eu estava deixando com essa viagem. Rezamos um Padre Nosso e uma Ave Maria.
Aquele não foi o primeiro passe da minha vida, mas a energia foi diferente, me senti mais envolvida do que nunca, sobretudo, pela angustia, insegurança e medos que tinha por conta da nova fase.
Antes de ir embora, fiz a pergunta que mudaria pra sempre a minha sensação com relação a tudo isso, eu estava prestes a conhecê-la. Perguntei ao “Preto velho” de que santo eu era filha. Ele fechou os olhos e me disse bem baixinho como de costume, com aquela voz velha e cansada saindo do corpo de um jovem rapaz. Essa pergunta eu não posso lhe responder por que não sou o dono do terreiro. Mais uma vez o sentimento de frustração me tomou. Ele suspirou e com os olhos semi-abertos me disse: “Pense em duas: Iemanjá e Oxum. Descubra qual das duas é representada por Nossa Senhora da Aparecida na Igreja Católica”. Respirei tranqüila, pois aquela já era uma resposta. Imediatamente pude identificá-la graças as minhas leituras sobre sincretismo no Brasil. Era ela, eu sabia!
Antes que eu agradecesse por aquela paz que estava sentindo, fui abordada com uma vela branca.
- Acenda essa vela na Igreja que você mais goste e reze bastante, mas reze pensando nela. Você vai precisar. Que Oxalá (Jesus) te acompanhe!
- Muito obrigada, respondi eu emocionada!
Saí dali com a alma lavada e ao mesmo tempo me perguntando como é que pude ter passado todo esse tempo sem ter a confirmação que eu era filha dela.
Aquela noite eu dormi em paz, tranqüila e protegida por ela, que eu já podia chamar de mamãe. Mal podia acreditar que era a filha da Senhora das águas doces, das cachoeiras, dos rios, lagos e fontes. A Senhora da fertilidade, da gestação, do parto e de toda a sensualidade. A menina faceira que passou a ser a mulher mais irresistível até se tornar a senhora protetora.
Eu sabia que ser abençoada por ela significava muitas coisas, inclusive que ela faz as suas filhas sentirem-se plenamente à vontade com sua sexualidade, incentivando o cultivo da vaidade e da beleza como atributos femininos cheios de poderes. Suas filhas andam e dançam dos modos mais provocantes e excitantes. No caminhar está o fluxo do rio.
Muito poderosa essa minha mãe, e agora mais do que nunca eu estava sentindo esse poder herdado dela. Tenho muitas de suas características.
Hoje, aqui em Buenos Aires e passado oito meses desse grande acontecimento, eu tive um sonho. Sonhei com mamãe que em nenhum momento me disse absolutamente nada. Ela se movia bem devagar dentro das águas calmas de um rio qualquer, em torno havia uma forte aura amarela e dourada, onde seu perfeito corpo negro se destacava. Linda, como tinha mesmo que ser.
**ORA IEIÊ Ô, MAMÃE OXUM!**